Nada melhor que saudar a chegada da primavera, por estas bandas do lado de cá do equador, do que com uma música alegre, festiva, dançante! Se o leitor já pensou em axé, pagode ou congêneres, enganou-se, pois os autores das peças em questão possuem nomes complicados, tais como Schubert, Beethoven, Mozart. Os intérpretes, estes sim, possuem nomes bem mais amigáveis, comuns aos nossos ouvidos tupinquins, tais como Cássio, Carlos, Antônio, Sílvio, Maristela, ... Assim, nesta fusão multicultural, atemporal e atual, foi concebida, gestada e veio a luz a primeira apresentação da Orquestra Filarmonia, sob a regência do maestro Flávio Santos, do Departamento de Música da UFU.
Aos poucos o público foi chegando, acomodando-se, nas quase 600 cadeiras, segundo minha estimativa grosseira. Lá fora uma noite de temperatura amena. Lá dentro um ar condicionado gelado, talvez para que nossos ilustres autores, acostumados com os rigores dos invernos europeus, não se sentissem muito desconfortáveis com o calor dos trópicos. A despeito da temperatura do ambiente (temo que tal temperatura tenha desafinado algum instrumento, pois teve uma hora que “esguinchou” algo vindo lá do lado das madeiras!) havia muito calor humano, expresso de modo vigoroso no longo, bem longo aplauso final, após o “grand finale” proporcionado pelo 3º Concerto para Piano e Orquestra de Beethoven. Aliás, foi uma noite bem teutônica, pois tivemos dois austríacos e um alemão. Um repertório clássico e romântico, com direito à tímpanos na segunda parte. Isto veio bem a calhar, pois estava com muitas saudades do som inconfundível deste instrumento de percurssão, ausente nos nossos escassos concertos da Orquestra Camargo Guarnieri, de repertório predominatemente barroco.
Para compor agora todos os naipes necessários a uma sinfonia de Schubert, trouxeram músicos de primeira linha de Brasília e Goiânia, que junto com os talentos da terra, formaram um belo conjunto, colorido, como deveria ser tudo que é formado por brasileiros, povo resultante da união de todas as cores, todos os tons, de talento e que se supera pelo auto-esforço. Um povo que necessita apenas de um pequeno estímulo para fazer grandes coisas, realizações impensáveis, de criatividade ímpar, desperdiçada via de regra na vala comum da não-realização, da massificação.
Chamou-me a atenção detalhes, tais como: um spalla que movia o corpo tão vigorosamente que às vezes parecia querer tanger as cordas de seu violino com o próprio corpo. Um operador de câmera (ou como quer os gringos, um camera-men) que teimava em lançar seu holofote nas vistas dos músicos – cada vez que ele fazia isto eu me via no lugar do músico, cegado por aquela imensidão de Watts e impossibilitado de ler a partitura! Um público atento e educado. Coisas de um país que tem ainda muito que aprender, mas que ensaia bem os primeiros passos.
Depois do som virtuosamente obtido do piano pelo concertista Flávio Augusto, vindo do Rio de Janeiro para o evento, o concerto foi encerrado ao som da abertura de As Bodas de Fígaro, com suas melodias inesquecíveis, que a gente teima em assobiar assim que toma o caminho de volta para casa, na esperança que o Brasil dos mensalões tenha conserto e que mensal vire sinônimo de concerto para a gente lavar a alma, praticar a estética em todo seu esplendor e, talvez, na sua maior complexidade, embora a mais simples e universal – a grande música de todos os povos e épocas!
Adilson J. de Assis
EM TEMPO: tudo isto aconteceu graças à realização de Creusa Resende, sob o patrocínio do Grupo Martins/Lei de Incentivo à Cultura. Adilson é Engenheiro Químico de formação e atuação profissional, faz o curso de Filosofia na UFU, não possui qualquer formação na área musical e o conteúdo aqui exposto pode apresentar informações inexatas.
Copyleft: “Permitida a reprodução citando o autor e incluindo um link ao artigo original"
Texto originalmente publicado no jornal Correio de Uberlândia em 21/05/2008.
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